Texto
Escritas sobre experiências em Eutonia: Abordagens plurais na clínica e pedagogia.
A autora elabora uma resenha do livro "Eutonia - Experiência Clínica e Pedagógica", organizado por Marcia Bozon
Categoria
Publicado no site em
Autoria
Fernanda G. F. BEVILAQUA
Resenha:
CAMPOS, Marcia Regina Bozon de (ORG.). Eutonia – Experiência Clínica e pedagógica. São Paulo: Zagodoni, 2013.
Introdução
A eutonia criada e estruturada pela alemã Gerda Alexander a partir do início da década de 1940, se insere no campo prático/teórico da educação somática e propõe a busca de uma profunda consciência corporal e ampliação da consciência cotidiana, possibilitando para quem a vivencia, o contato com seu potencial de autocuidado, percepção de si mesmo, do ambiente, do outro ser e dos objetos do mundo. Dessa forma, viabiliza o reconhecimento da utilização equilibrada do tônus corporal nas diversas situações da vida. Além disso, abre fendas para o ato criativo do ser humano.
Estuda-se na formação em eutonia, a partir de um acordo vivencial/teórico, conteúdos de extrema importância para essa proposta, como: a pele, ossos, órgãos, espaço interno, volume, contato consciente, movimento eutônico, deslizamentos ósseos, micro movimentos, micro estiramentos, posições de controle, terapia, pedagogia, repousser, transporte,biomecânica e anatomia do movimento, além de outros que são introduzidos a partir de indagações e proposições nas aulas. O tema central da eutonia, ajuste tônico, é sensorialmente percebido e estudado, a partir da base destes conteúdos mencionados. Portanto, uma de suas especificidades, é propor o ajuste tônico muscular, a partir, por exemplo, da percepção superficial e profunda da pele e dos ossos. não pelo estudo ou vivência com o músculo diretamente. Essa especificidade faz da eutonia uma via sutil para as percepções corporais.
Tendo em vista a correlação estreita entre o tônus e a atividade cerebral, é possível afirmar que o trabalho com a eutonia, num nível mais aprofundado vai modificar o nível de consciência global do praticante, proporcionando transformações positivas em seu corpo, emoções e comportamentos. Sendo assim, ela atuará sobre um complexo sistema conectivo que inclui corpo/mente/espírito e lança perguntas sobre a saúde, as relações interpessoais e fundamentalmente sobre a existência do ser no mundo.
No contexto contemporâneo em que não há tempo para o aprofundamento, no qual, igualmente, a tecnologia avança a passos largos, impondo ao ser humano outras formas de relacionamento, conhecimento do mundo e fundamentalmente em que a degradação nos campos ambientais, educacionais, culturais e da saúde se fazem presentes sensorialmente, gerando conflitos, dores e perda da qualidade de vida, é que a Eutonia possibilita trazer a retomada da consciência e do cuidado de si, o mergulho em outro tempo, que possibilita viver melhor,na presença, atenta do corpo e mais saudável. Sendo assim, os registros escritos sobre a Eutonia, podem proporcionar a um público diverso, um contato inicial com o método, dando a ele mais visibilidade e acessibilidade e disseminando o legado de sua criadora.
No intuito de dar sentido e compreensão a esse método tão importante de Gerda Alexander, O livro, Eutonia – Experiência clínica e pedagógica, organizado por Marcia Regina Bozon de Campos traz à tona, o resultado da diversidade de experiências e informações em registros textuais de autores/ eutonistas que trabalham conjuntamente desde 2009, época em que foi criada e organizado por eles, o Instututo Gerda Alexander de formação em Eutonia, que além de formar novos eutonistas, abre espaço potente para a consolidação e disseminação do método de Gerda Alexander no Brasil.
Esta publicação reúne escritas desses autores que visitam os diferentes conteúdos da Eutonia, tanto a partir de relatos de experiências profissionais, como no intuito de aprofundamento de conceitos, história e dados biográficos de sua criadora.
Importante se faz, citar o prefácio, escrito por Berta Vishnivetz, que tendo bebido diretamente da fonte como aluna de Gerda Alexander, é pioneira da difusão e crescimento da Eutonia no Brasil nos últimos trinta anos. E ainda, ressaltar Anna Veronica Mautner, psicanalista, que faz a escrita do prólogo, trazendo a ideia da Eutonia como uma psicanálise do corpo.
Autores/eutonistas dando luz ao que vem a ser eutonia na teoria e prática clínica e pedagógica:
Márcia Regina Bozon de Campos, idealizadora e organizadora dessa publicação, faz apresentação da obra, além de assinar um dos textos publicados: A Eutonia na Construção do universo simbólico, o qual reflete sobre os caminhos dos estímulos sensoriais e sensações corporais que possibilitam ecoar na esfera psíquica. Márcia trata da dor e os processos de simbolização, trazendo autores da psicologia em diálogo com o que Gerda Alexander propõe em seu método. Fundamenta-se também nesses autores, afim de travar o diálogo com os processos de Eutonia, especialmente no que vem a ser o trabalho sobre a pele e toque. Como eutonista, psicóloga e psicanalista traz à luz da eutonia e de sua experiência clínica nessas áreas em relação, algumas importantes reflexões acerca da contribuição efetiva da eutonia para a compreensão da dor e seu significado dentro e fora do corpo. Jean Marie Huberty, faz a abertura dessa reunião de textos, com sua valiosa pesquisa, sobre as origens da Eutonia. A Eutonia Gerda Alexander: Das Fontes Européias à sua Divulgação na América Latina, propicia uma verdadeira viagem na história da autora do método, bem como uma viagem mais aprofundada nos primórdios da Eutonia e experiências, pesquisas e curiosidades pessoais e profissionais de Gerda, que foram fonte de inspiração inclusive para o surgimento do neologismo Eutonia e ainda, esclarece sobre alguns de seus conteúdos principais, aliados à psicologia e filosofia fenomenológica. Jean Marie, que foi aluno do curso de formação oferecido pela própria Gerda Alexander, finalmente traça um cuidadoso histórico da chegada e divulgação da Eutonia na América Latina e fecha, contextualizando o método, no século XXI. Maria Thereza Feitoza em Eutonia para um Músico, relata sua experiência com um jovem músico, trazendo ao leitor, a riqueza dos processos clínicos/pedagógicos do trabalho de acompanhamento desse jovem e o estabelecimento da presença e confiança na relação eutonista/aluno. Em Eutonia e a arte de partejar, a eutonista Gabriela Bal, reflete sobre sua profunda experiência de eutonia com gestantes e como as ferramentas da eutonia, podem contribuir seguramente para o auto conhecimento do corpo e por conseguinte a obtenção do importante vínculo da mãe com o bebê, não só durante a gestação, mas após o nascimento. Gabriela, traz o olhar e aprofundamento sobre a pele, pelve, contato e outros conteúdos da eutonia como elementos que contribuirão para o empoderamento e autonomia da mulher no momento do parto. Descreve sobre sua experiência como eutonista para gestantes, tecendo importantes considerações sobre o refinado trabalho da consciência pela eutonia, nos processos de reconhecimento do corpo da mulher gestante/mãe. Patrícia Decot Pernambuco, aborda uma experiência clínica com uma aluna, utilizando-se da palavra poética, lembrando-nos que a palavra poética talvez seja aquela que consegue dar luz e sentido às experiências. Em Um conto eutônico, ela traz as falas dessa aluna, em sessões terapêuticas que foram determinando sensivelmente a condução do tratamento e proporcionando o brotar da auto cura. Em Diálogo tônico por meio do toque e do movimento, Luciana Gandolfo esclarece o que vem a ser o tônus e o movimento eutônico a partir de conceitos e exemplos que passam pelo campo da psicomotricidade e da fenomenologia fazendo as pontes devidas com a Eutonia e os estudos de movimento, mostrando através de seu relato de experiência com um aluno, ao final do texto, como o toque e o movimento podem estabelecer o que vem a ser um diálogo tônico. Tereza Gomes dá corpo ao trajeto da consciência de si na Eutonia, revelando dois estudos de casos que trazem as bases para a análise de como lidar com a dor e o desconforto pelo aprofundamento dos mesmos, além de dar clareza a um fator importante na Eutonia que é o estado alterado ou melhor, expandido de consciência. Em seu texto é possível compreender o que de fato fará diferença no amadurecimento dos processos terapêuticos/pedagógicos em Eutonia, na relação professor/aluno/ambiente.E fechando a obra,com o último texto, Luciana Gomes em Processo Terapêutico e a Formação em Eutonia, mostra o porquê de considerar a formação em eutonia, um processo terapêutico também de quem está se formando. Ela traz informações sobre todo o processo de formação e sua grade curricular, esclarecendo ao leitor sobre o que vem a ser a formação no Instituto Gerda Alexander e traduzindo a ideia da formação como uma etapa a qual o aluno que se prontifica a ingressar, inevitavelmente passará durante esse período, por um longo, necessário e qualificado processo terapêutico.
Concluindo
São muitas as reflexões e entendimentos que complexificam nosso olhar para a compreensão desse importante método de educação somática surgido na década de 40, aplicado e revisto por eutonistas de todo o mundo e ainda com potencial de desenvolvimento, evolução e reflexão. A Eutonia de Gerda Alexander é um campo prático/teórico inesgotável em seus detalhes e ferramentas. Como adverte Gerda Alexander em entrevistas e declarações escritas, não se pode aprender eutonia por um livro, porque não se trata de uma receita ou modelo a ser seguido por meio de instruções., Mas, possível se faz, adentrar em seus conceitos, compreender sua história e provocar abertura para o interesse e curiosidade ativa pela sua prática. É pelo registro escrito que dizemos que algo existe de fato, pois está documentado. Considero essa publicação um excelente exemplo de como pela prática se escreve a teoria da eutonia e por isso mesmo a documenta com honesta capacidade sensorial e comunicativa. É um livro de eutonistas para cidadãos que nunca ouviram falar dessa prática, mas também para todo profissional da saúde, arte e educação, além é claro, de ser imprescindível na biblioteca de todo eutonista.
Referências Bibliográficas
ALEXANDER. Gerda. Eutonia. Um caminho para a percepção corporal. São Paulo: Martins Fontes. 1983.
DE GAINZA.Violeta Hemsy. Conversas com Gerda Alexander – Vida e pensamento da criadora da EUTONIA. São Paulo: Summus Editorial, 1997.
VISHNIVETZ, Berta. Eutonia – Educação do corpo para o ser. São Paulo: Summus Editorial.1995.